CIDADES · 18/06/2025
Desabamento no Aterro Ouro Verde em Padre Bernardo, escancara colapso ambiental e desafia fiscalização em unidade de conservação
Colapso de barreiras no aterro compromete solo, água e expõe omissões no controle ambiental de Padre Bernardo.

JP
Foto enviada por morador da região
Por Miriam Barbosa
Padre Bernardo (GO) — Um desabamento interno ocorrido nas instalações do Aterro Sanitário Ouro Verde, localizado em área rural de Padre Bernardo (GO), expôs, de forma incontestável, o colapso estrutural e ambiental do empreendimento. O incidente, confirmado por órgãos técnicos do Ministério Público de Goiás (MPGO), Ministério Público Federal (MPF) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), envolveu o rompimento de barreiras internas de contenção e vazamento de chorume — líquido altamente contaminante — sobre o solo e em direção a cursos d’água.
O episódio marca o agravamento de um passivo ambiental que se arrasta há anos, intensificando os riscos à APA da Bacia do Descoberto, uma unidade de conservação que abastece parte significativa do Distrito Federal.
Estrutura comprometida e falhas técnicas
Laudos técnicos e vistorias recentes atestaram que os tanques de chorume do aterro estavam sendo operados com infraestrutura precária. Revestidos com lona e sem impermeabilização adequada, os compartimentos apresentavam acúmulo e transferência improvisada de resíduos líquidos contaminantes de um tanque para outro — “de forma paliativa”, segundo os autos do processo.
Com o deslizamento interno, essas estruturas colapsaram parcialmente, rompendo camadas de contenção e lançando efluentes no solo exposto, com potencial de infiltração no lençol freático e escorrimento para o Córrego Santa Bárbara, afluente relevante na região.
Contaminação hídrica e dano à fauna
A perícia realizada por especialistas da Universidade de Brasília (UnB) e do ICMBio identificou alterações físico-químicas significativas na água do entorno. Poços de captação próximos apresentaram alterações de coloração, odor e níveis de nitrato, típicos de contaminação por chorume. Além disso, foram registradas ocorrências de mortandade de peixes e de fauna silvestre, afetando a biodiversidade da região de proteção ambiental.
Técnicos também constataram a existência de resíduos dispostos fora das células de contenção e lixo a céu aberto — prática proibida por normativas estaduais e federais. O cenário aponta para violação reiterada da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e do Código Florestal.
Histórico de irregularidades e decisão judicial
O Aterro Ouro Verde, operado pela empresa Ouro Verde Construções e Incorporações Ltda., atua desde 2016 sem licenciamento ambiental estadual válido, conforme reiteradas manifestações da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad-GO) e do próprio ICMBio.
Apesar disso, a empresa mantinha a operação com base em licenças municipais e um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) firmado com o estado — posteriormente declarado irregular pelo Judiciário.
Em maio de 2023, o MPGO e o MPF ingressaram com uma Ação Civil Pública, resultando em liminar federal que:
Suspendeu imediatamente o recebimento de resíduos no aterro;
Anulou o TCA firmado com a Semad, por ausência de anuência federal;
Determinou a apresentação de um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) em 45 dias;
Fixou multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento.
Apesar da ordem judicial, a operação manteve atividades limitadas por força de recurso, o que permitiu a progressão dos danos ambientais já em curso.
A empresa Ouro Verde Construções e Incorporações Ltda. sustenta, em sua defesa, que atua com respaldo judicial e que as conclusões técnicas apresentadas pelo MP e ICMBio ainda são preliminares. Alega, ainda, que o PRAD está em fase de estruturação e que os tanques de chorume são monitorados continuamente. Não apresentou, até o momento, estudo conclusivo que comprove ausência de impacto ambiental ou reversibilidade do dano.
Segundo o promotor de Justiça André Luís Ribeiro, o quadro atual comprova a “inegável falência técnica e jurídica da operação do aterro, que vem se configurando como um lixão de grandes proporções, com risco sistêmico à saúde pública e ao meio ambiente”.
Já o relatório técnico da UnB alerta para a “possível contaminação irreversível de aquíferos se a infiltração de chorume persistir ao longo do período chuvoso”, motivo pelo qual novas amostragens foram programadas para o segundo semestre.
A continuidade da atividade está condicionada à entrega de laudos atualizados, ao cumprimento do PRAD e ao julgamento do mérito da ação civil pública. Caso as contaminações se confirmem em laudo conclusivo, o aterro poderá sofrer interdição definitiva, com responsabilização cível, administrativa e criminal dos gestores.
Além disso, o MPGO poderá requerer indenizações por dano ambiental coletivo, bem como a recuperação integral das áreas afetadas, nos termos da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998).
O desabamento no Aterro Ouro Verde não é um evento isolado, mas o ponto culminante de uma cadeia de negligências operacionais, ausência de fiscalização eficaz e fragilidade institucional. Em meio a resíduos mal manejados, tanques colapsados e córregos contaminados, o episódio lança um alerta definitivo sobre a urgência de rever os mecanismos de controle ambiental em unidades de conservação de Padre Bernardo.